MESTRES DA CULTURA DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
Painel 4
1. SALA DE LEITURA NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE SÃO PAULO: UMA
INOVAÇÃO QUE RESISTE ÀS DESCONTINUIDADES POLÍTICAS.
Mônica Fátima Valenzi Mendes
Faculdade de Educação da PUC-SP
Este trabalho é síntese de uma pesquisa de doutorado que tem por tema o
Projeto Sala de Leitura (SL) da Rede Municipal de Ensino de São Paulo (RMESP)
analisada como espaço/tempo de inovação da escola que resiste às
descontinuidades políticas pelas quais a administração de São Paulo passa.
A SL da RMESP originou-se por um programa de leitura criado em 1972 por
um grupo de professores e especialistas do ensino que preocupados com o baixo
rendimento e desinteresse dos alunos nas áreas de Comunicação e Expressão
resolveram investir em um projeto que explorasse o livro. A partir disso a Secretaria
Municipal de Educação e Cultura (SMEC)1 iniciou uma experiência piloto de ação
intercomplementar entre as escolas municipais de 1º grau (EMPG) e as bibliotecas
públicas. Essa experiência foi considerada positiva e se fez necessário criar uma
“biblioteca” em cada escola. Foi criado, então, um espaço específico para a leitura na
escola – a SL.
Aponta-se o Projeto SL da RMESP como uma inovação porque ajustou
mudanças na organização da escola, foi planejado e proporcionou melhoria nas
condições de leitura de professores e alunos. Objetivando uma atuação mais
produtiva do professor de maneira a promover melhor desenvolvimento em leitura
por parte dos alunos, o Projeto SL constitui-se de uma proposta de intervenção
pedagógica planejada, implementada e acompanhada, sempre propondo novas
alterações na organização da escola e desse trabalho. (Ferreti, 1980)
Nesse contexto, elege-se o problema central, qual seja, Como o Projeto Sala
de Leitura da Rede Municipal de Ensino de São Paulo se implanta, se
implementa, se institui e permanece?
Estabelece-se como objetivo geral contribuir para a compreensão da escola a
partir da criação e das transformações que ocorreram no Projeto SL da RMESP,
identificando razões, circunstâncias e fatores internos e externos de seu
desenvolvimento e expansão.
Para o desenvolvimento desse estudo partiu-se de hipótese central em que a
SL constituiu uma inovação na secretaria de educação e permaneceu a despeito das
descontinuidades políticas.
No que tange às decisões metodológicas, foi realizada pesquisa documental. O
Projeto SL possui legislação que a institui e a regulamenta. É a legislação que
mantém, organiza e implanta as SL em toda a RMESP, assegurando condições de
execução de programas e garantindo a unidade dentro da diversidade.
Dessa forma, o eixo analítico central da tese constitui-se na centralidade que a
leitura foi adquirindo na composição do currículo da escola. Tomou-se, então, a SL e
1
A SMEC se desdobrou em 1975 por meio da lei nº 8.024, de 13/01/1975, portanto ficou Secretaria
Municipal de Educação (SME) e Secretaria Municipal de Cultura (SMC).
2. seus tempos, espaços, ações e professores.
Um projeto centrado na leitura: como e porque se cria, se institui e se
institucionaliza:
No âmbito nacional, o início da década de 1970 no Brasil foi marcado pelo
período mais forte da ascensão da “linha dura” do governo militar, ou seja, pela
institucionalização da censura, da tortura e da perseguição a presos políticos, do
terror de estado em nome da Segurança Nacional e do combate aos comunistas.
Essa década foi, também, a época das promessas de prosperidade, dos
setores empresariais eufóricos com os altos índices de crescimento da economia e
da propaganda governamental de que o Brasil seria uma grande potência mundial
até o ano 2000. Entretanto, o crescimento econômico não significou melhoria de
condições de vida para a população.
A realidade econômica apresentava problemas graves. De um lado, tínhamos
sérias carências nos setores de saúde, saneamento básico, habitação, educação,
com conseqüências como a desnutrição, mortalidade infantil, marginalização social,
econômica e política. De outro lado, contribuindo com isso, tínhamos os altos índices
de inflação, baixos salários, elevada dívida externa, concentração da riqueza em
poucas mãos.
Enquanto isso, no âmbito dos municípios, os prefeitos eram nomeados pelos
governadores dos respectivos estados, que por sua vez, eram eleitos indiretamente.
Foi na gestão do Prefeito José Carlos de Figueiredo Ferraz que o Projeto SL
da RMESP iniciou-se. Naquela época, não havia proposta de política educacional
declarada formalmente por parte dos governos, isto é, não foram encontrados
documentos que assinalassem essa política, apenas alguns documentos esparsos
que permitem detectar ações. Depreende-se desses que a preocupação estava
muito voltada para o preparo profissional do professor e para o controle e
implementação do currículo escolar.
Compreende-se tal preocupação dos sistemas escolares diante da expansão
das redes escolares públicas, em particular a do município de São Paulo. Tratava-se
de atender a conjunto de crianças que não cessavam de aumentar na população
paulistana em função das correntes migratórias, assim como cuidar do preparo de
professores para esse enfrentamento.
Tendo em vista atenuar o baixo rendimento dos alunos, cuja escolaridade é
pautada nos processos de leitura e escrita, a SMEC instituiu a Portaria 2.032 de
13/07/1972 dando início à experiência piloto em uma proposta de ação
intercomplementar entre Biblioteca e Escola envolvendo uma escola e uma
biblioteca. O objetivo era fazer com que alunos de 1º Grau adquirissem e fixassem
habilidades de leitura e de compreensão de texto.
A realização dessa experiência motivou transformações que trouxeram bons
resultados e implicou a regulamentação da portaria um ano após ter sido implantada.
O Decreto nº 10.541, de 29/06/1973 instituiu, então, em caráter permanente, o
“Programa Escola-Biblioteca” (PEB) cabendo à autoridade do Prefeito criar um
programa de leitura e a SMEC baixar instruções complementares.
2
3. Logo em seguida, uma Comissão Permanente foi constituída encarregada do
planejamento e da execução do PEB, isto é, ela tinha que aperfeiçoar técnicas para
melhorar a orientação da leitura e cuidar da seleção de obras de literatura para as
sessões de leitura dirigida, além de criar fichas para tais leituras.
O programa se estendeu para três bibliotecas e cinco escolas prevendo visitas
de alunos acompanhados de seus professores à biblioteca do bairro para conhecer
seu funcionamento, tomar contato com os livros, folheando-os, lendo-os e retirando
os de sua preferência para ler em casa. As visitas estavam previstas no currículo
semanal. O professor dirigia tais atividades e proporcionava outras, junto com o
bibliotecário, tais como: hora do conto, entrevistas, dramatizações, leitura dirigida,
leitura informativa e debates.
Essa experiência foi tão bem sucedida que no final de 1974 eram 13 escolas
da rede participando desse Programa. À medida que essas escolas desenvolviam a
programação de leitura, crescia o interesse dos alunos, fazendo-se necessária uma
biblioteca dentro da escola para melhor atender ao aumento do desejo de ler e
facilitar essa atividade2. Foi necessária a criação de biblioteca escolar, de fato.
Somente no final do ano de 1975 é que aparece a SL como um espaço da
escola onde seriam realizadas atividades de leitura de textos e a figura do Professor
Encarregado de Sala de Leitura (PESL), profissional responsável pelo planejamento
dessas atividades e pela organização e funcionamento desse espaço.
A SMEC destinou, então, verba especial para aquisição de um acervo mínimo
de livros e de mobiliário adequado à montagem de salas apropriadas nas unidades
que já participavam do programa. Esse acervo foi classificado como fixo, circulante e
de leitura por fichas.
Foram criadas fichas norteadoras de leitura que se constituíam de um
questionário composto por questões sobre o conteúdo da obra lida3, focalizando a
compreensão da idéia central ou de partes do texto, e sobre a percepção de
pormenores ou avaliação crítica do material lido. Essas atividades obedeciam a uma
graduação de dificuldades e eram repetidas várias vezes, requerendo elaboração
cuidadosa da equipe do PEB. Eram destinadas aos alunos de 2ª à 8ª séries.
Para tanto, foram oferecidos cursos de formação aos professores e técnicos
da escola. Depreende-se que o modelo adotado, nesses cursos, apoiava-se numa
perspectiva técnica, ou seja, o professor era considerado um técnico que deveria
dominar “as aplicações do conhecimento científico produzido por outros e
transformado em regras de atuação”. A atividade profissional era “instrumental,
dirigida à solução de problemas mediante a aplicação rigorosa de técnicas
científicas”. À equipe coordenadora cabia elaborar os conhecimentos básicos e
aplicados, planejando programas de formação com o propósito principal de treinar o
2
Conforme documento de arquivo - São Paulo (Cidade). PMSP/SME. Programa Escola-Biblioteca.
Publicação nº 20, 1978.
3
Foi criada também toda uma programação de livros de literatura infanto-juvenil que seguia uma
seqüência correspondente aos níveis de desenvolvimento dos leitores e cada professor recebia a
programação específica de sua classe junto com as fichas de leitura.
3
4. professor nas técnicas, nos procedimentos e nas habilidades consideradas eficazes.
(Pérez Gómez, 1998, p. 356)
Percebe-se claramente o sentido dado à leitura. Pode-se dizer, com apoio em
Macedo (2000) que foi adotada uma abordagem acadêmica e utilitarista de leitura, ou
seja, foi considerada como a aquisição de habilidades de leitura e de decodificação e
desenvolvimento de vocabulário e sacrificou a análise crítica da ordem social e
política.
Em 1978 eram 45 escolas integradas ao Programa. Foi preciso realizar estudo
para comprovar o sucesso da técnica de leitura dirigida por fichas no processo de
desenvolvimento da compreensão no aluno. Comprovado seu sucesso, a SME
resolveu estender o programa para mais 86 escolas, o que justificou a criação do
Setor de Atividades Escola-Biblioteca, em 31/03/1978 por meio do Decreto nº 15.002.
A principal atribuição do Setor era implantar e implementar o PEB e, ao
mesmo tempo, elaborar e orientar as atividades de leitura.
Passaram-se cinco anos de intensa formação e expansão do PEB. Orientou-
se detalhadamente como organizar a SL, como fazer empréstimo de livros, como
documentar as atividades realizadas na SL e como utilizar as técnicas propostas.
Em fevereiro de 1983, por meio do Decreto nº 18.576, determinou-se a criação
de 300 SL que deveriam funcionar nas EMPG, mediante autorização do Secretário
Municipal de Educação.
Enfim, é interessante demarcar que, nesse momento, as atividades da SL
tornaram-se ações consolidadas de forma definitiva, isto é, a SL se institucionalizou
definitivamente. Passou a ser invulnerável e impermeável a possíveis tentativas de
seu extermínio, o que não significa que não deixou de ser refratária à mudança. Ela
ainda sofreria muitas mudanças nas décadas posteriores.
A inserção da Sala de Leitura na vida das escolas:
Os anos de 1980 foram marcados por transformações ocorridas nos contextos
sócio-econômico e político do país. Desde 1975 o processo de abertura política tinha
se iniciado. Assim, a censura foi abolida e uma produção de literatura educacional
crítica prosperou.
Em termos econômicos, o início dessa década caracterizou-se pelo fim do
propalado “boom” econômico e por altíssimos índices de inflação. Essa crise e as
falhas do governo levaram, em 1982, à vitória de diversos candidatos oposicionistas
nas eleições para os governos estaduais.
A grande preocupação do campo educacional era com o fracasso da escola
de 1º grau no ensino de crianças das camadas mais desfavorecidas.
Renomados profissionais da educação assumiram espaços nos partidos
políticos e nas secretarias de educação de alguns estados e municípios, e assim,
implantaram suas idéias e tentaram neutralizar posições mais conservadoras e lutar
pelo equacionamento da questão do ensino básico.
Assim, São Paulo teve como Prefeito Mário Covas (1983 a 1985) e manteve o
projeto SL a despeito da nova política educacional diferençada em relação às
gestões anteriores. Apesar de não se publicar sequer uma portaria, lei ou decreto
4
5. específicos que organizassem o trabalho desenvolvido na mesma, o projeto foi
sedimentado e adquiriu centralidade na vida da escola ao descrever objetivos,
atividades, materiais e atitudes a serem desenvolvidas.
A SL deveria ser utilizada em todas as séries e componentes curriculares
como atividade complementar das desenvolvidas em sala de aula e cabia ao PESL
organizar e fazer funcionar a SL, segundo diretrizes do órgão competente da SME e
do Conselho de Escola.
Os objetivos eram praticamente os mesmos das gestões anteriores, contudo,
nesse momento, aparece uma preocupação maior com o desenvolvimento do gosto
pela leitura e com a integração da SL na vida da escola.
Diferentemente das orientações anteriores, a ênfase não esteve no
treinamento e programação de comportamento considerado adequado na SL. Havia
preocupação central com as conseqüências educativas da própria leitura. Era um
significado mais formativo do ponto de vista reflexivo, analítico. O principal era tornar
a leitura parte integrante de sua vida, ou seja, o enfoque principal buscava
desenvolver um modelo processual do desenvolvimento das atividades. Não era
simplesmente aplicar técnicas, mas experimentar estratégias adequadas ao contexto
e à situação. Dessa maneira, a leitura Dirigida por Fichas foi suspensa.
Houve mudança de nome de PEB para Programa Salas de Leitura. A equipe
central deixou de ter tanto controle sobre as atividades que deveriam ser
desenvolvidas nas SL e passou a incumbência para as equipes técnicas das
Delegacias Regionais de Educação Municipal (DREM) que deveriam estabelecer
comunicação direta com o Setor e as SL.
Considerava a SL como tendo um peso pedagógico e político o que significa
dizer que essa gestão levava em conta que o educando tinha falta de bagagem
cultural apropriada para receber a mensagem da escola e que, além disso, a escola
valorizava e cobrava um capital lingüístico e cultural, um modo de se relacionar com
a cultura e o saber que acabava propiciando a reprodução social e a legitimação das
desigualdades. Por isso, a importância de um Programa de Leitura como forma e
possibilidade de romper com a perpetuação das desigualdades.
A leitura foi definida como o “processo de descoberta e atribuição de
significados ao texto escrito”4. Para que essa significação ocorresse, o domínio da
“mecânica da leitura” não era suficiente, era necessário que o leitor colocasse em
prática uma visão reflexiva sobre as palavras que compunham o texto, como uma
estrutura de significados, que era a expressão de uma visão de mundo.
Maria Helena Martins foi citada para firmar que o objeto lido poderia ser
configurado pela palavra, pelo gesto, pelo som, pela imagem; a leitura se realizaria a
partir do diálogo do leitor com esse objeto. Esse diálogo seria sempre
contextualizado, isto é, interferiria, sempre, além da história pessoal do leitor, suas
experiências anteriores com leitura e a intermediação de outros leitores.
O papel do professor era de intermediador do objeto lido com o leitor, isto é, o
professor deveria passar da postura de ler para ou pelo educando, para a postura de
4
São Paulo (Cidade). PMSP/SME/DEPLAN/DOT/Setor de Atividades de sala de Leitura. A leitura na
escola de 1º grau: a leitura do texto literário. Abril – 1985. DO 4/AS 007/85, 1985.
5
6. ler com o educando, para que ocorresse um intercâmbio das leituras favorecendo a
ambos, trazendo novos elementos para um e outro.
Depreende-se dessa concepção de leitura uma abordagem romântica, ou
seja, baseou-se em um modelo interacionista centrado principalmente na construção
do significado destacando o significado como sendo gerado pelo leitor e não como se
dando na interação entre leitor e autor via texto. Além disso, eram enfatizadas as
capacidades afetivas do leitor e subliminarmente a leitura prazer. (Macedo, 2000)
O PESL passa a ser considerado um ator fundamental, isto é, ele passa a
ter função central nas atividades a serem desenvolvidas pela SL.
Em janeiro de 1986, nova política começa a ser implantada no município de
São Paulo pelo Prefeito Jânio Quadros, entretanto a SL foi mantida. Além disso, foi
solicitada uma pesquisa para explorar alguns aspectos de SL.
É interessante observar que essa pesquisa teve preocupação em investigar
o aumento do interesse pela leitura, isto é, a leitura não deveria ser avaliada e sim as
condições da produção da leitura na escola para se descobrir se o aluno gostava ou
não de ler e em que condições isso ocorria. Julga-se que esse estudo foi necessário
para firmar a relevância da SL e do trabalho nela realizado. Esses argumentos eram
necessários para que a SL se mantivesse como espaço/tempo dentro das escolas.
Fica evidente que nesse período focalizou-se a leitura prazer, isto é, o que
interessava eram as condições da produção de leitura na escola que passava, antes
de tudo, pelas condições de leitura do professor. A leitura deveria ser acompanhada
e orientada pelo professor.
Percebe-se que o Projeto SL da RMESP vai se sedimentando com o passar
do tempo, mesmo quando a política econômica e educacional do país sofre
profundas mudanças.
A partir de 1986 a SL aparece na legislação como espaço que deveria ser
planejado e utilizado como uma das dependências do prédio escolar de forma a
melhor atender às necessidades da comunidade e atender a todos os alunos de
todos os turnos. Isso demonstra que é a partir daí que a SL definitivamente se
constitui na vida das escolas, isto é, começa a fazer parte dela e de sua organização.
Finalmente, considera-se que, apesar das duas administrações que a
Prefeitura do Município de São Paulo teve nesse período trabalharem com propostas
políticas diferençadas, a SL não só se manteve enquanto proposta como também se
sedimentou ainda mais na escola. Esse período demonstra que o Projeto SL foi se
inserindo gradativamente na vida das escolas, se fixando, criando raízes e se
incluindo, cada vez mais, na organização do processo pedagógico da escola,
envolvendo a grande maioria do alunado e dos professores.
A permanência definitiva do projeto – ampliando novamente:
Durante os anos de 1990 o Brasil viveu um período de estabilização da moeda
o que não significou diminuição da exclusão social. Ao mesmo tempo, passou pela
exigência de um elevado grau de competitividade e teve que ampliar a demanda por
conhecimentos e informações. Em decorrência, a educação foi eleita estratégica.
Assim, uma enorme quantidade de documentos nacionais e internacionais balizaram
esse processo que levou ao consenso sobre as reformas educacionais.
6
7. Enquanto isso, o município de São Paulo passou por três gestões. A primeira,
de Luiza Erundina, completamente diferente das demais, por seu cunho político,
baseou-se em três princípios básicos, quais sejam, participação, descentralização e
autonomia. Propôs a Educação Libertadora fundamentada por Paulo Freire.
A segunda, de Paulo Maluf, buscou organizar a política educacional em torno
de cinco eixos, quais sejam, valorização da educação e do educador, atendimento
escolar, escola voltada para o aluno, plena utilização de recursos e normatização
administrativa. Propôs a Qualidade Total na Educação fundamentada por Cosete
Ramos.
A terceira, de Celso Pitta, apoiou-se em matriz que visava potencializar a
transformação de São Paulo em pólo comercial do MERCOSUL de modo a torná-lo
poderoso competidor entre as grandes metrópoles mundiais. Para atender a isso, a
política educacional voltava-se para a democratização do acesso, da permanência e
da gestão e melhoria do fluxo organizacional.
Apesar desses três governos serem distintos com relação à política
educacional de seus antecessores e distintos entre si, o Projeto SL não só
permaneceu inserido e sedimentado na vida das escolas, mas se consolidou e se
ampliou novamente, só que desta vez, principalmente por meio da legislação.
Na primeira gestão desse período a SL foi entendida como espaço cultural
para a leitura crítica do mundo onde o aluno se inseria, localizando-o no tempo e no
espaço e instrumentalizando-o para transformar a sociedade e ele mesmo. Foi
considerada um território livre, um posto avançado a serviço do saber, da
sensibilidade, da crítica, da história e da luta por uma vida mais digna para as
classes populares. O objetivo era promover a mediação da leitura por meio da
coordenação do PESL e dos demais educadores.
Depreende-se que essa gestão apreciou o espaço da SL como um terreno
de produção e criação simbólica e cultural, isto é, como espaço possível para a luta e
superação das divisões sociais.
Dessa forma, tomou a leitura num sentido amplo, apoiando-se em Martins,
compreendendo-a não apenas como mera decodificação de signos lingüísticos, mas
como um processo de compreensão abrangente da realidade que cerca, a qual se
apresentava a cada um por meio de várias linguagens.
Pode-se assinalar que essa concepção de leitura era a mesma adotada
pelas equipes nas gestões de Mário Covas e Jânio Quadros. Sendo assim, possui o
mesmo cunho romântico já referido neste trabalho.
Nota-se, entretanto, que essa gestão preocupou-se em atrelá-la a uma
determinada visão política não presente anteriormente. Ou seja, enquanto nas
gestões anteriores chegavam “pacotes” com “guias” ou mesmo “propostas”
curriculares de forma prescritiva e de forma a ignorar a participação dos professores,
nessa gestão se apreciaram os professores como agentes essenciais das mudanças
pretendidas, na perspectiva de trabalhar na construção de um novo paradigma
curricular embasado na teoria crítica, possibilitando a criação de novas atividades a
partir de situações, grupos e projetos presentes no cotidiano da escola além das
atividades tradicionalmente desenvolvidas.
Tomar a SL como espaço cultural significava abri-la para a comunidade de
7
8. maneira a torná-la local de lazer e preservação da memória, tradição e imaginário
das pessoas, além de ser espaço para alunos e professores se constituírem sujeitos
culturais que mediavam leituras que possibilitavam construir e ampliar
conhecimentos formando leitores críticos.
A partir disso, pode-se afirmar que a leitura estava mais ligada aos
“questionamentos pré ou extra-escolares” e à descoberta de problemas que
pertenciam “à difícil compreensão da ordem do mundo, do que sobre uma
escolarização ou uma aprendizagem escolar”. (Bourdieu e Chartier, 2001, p. 240).
Isso criava capacidade e necessidade de leitura. A escola passou a ser
reconhecidamente a via principal e exclusiva do acesso à leitura não só para os
alunos, mas para toda a comunidade.
Foi publicada legislação para expandir as SL para toda as escolas da RMESP;
para modificar o nome de PESL para Professor Orientador de Sala de Leitura
(POSL); para regulamentar a escolha, as funções e competências do POSL; e para
regulamentar e implantar o planejamento e o desenvolvimento das atividades de SL
nas escolas.
No final de 1992 havia 354 escolas municipais em São Paulo, das quais 23
não possuíam SL. Portanto o Projeto ainda não tinha atingido toda a rede.
Na segunda gestão o Projeto SL5 foi tratado como um processo de
compreensão abrangente da realidade que nos cerca, a qual se manifestava a cada
um por meio de várias linguagens, entre elas a da narratividade. Tratava-se do
exercício da busca de pensar a solução de um problema usando a narrativa, ou seja,
compreendia-se a leitura não apenas como decodificação, privilegiando o campo da
lingüística, mas, também, a incorporação de outras linguagens, extrapolando o plano
verbal para o de outras linguagens e tecnologias.
A SL foi concebida como multi-espaço. Assim, esse espaço que era idealizado
para a mediação da leitura – entre o professor, o aluno e o texto – passou a ser
apreciado como local para promoção do acesso ao livro por escolha e informação,
isto é, o fundamental era oferecer ao aluno a maior variedade de livros possível para
que tivesse liberdade de escolha remetendo-o a um processo prazeroso de leitura.
Deveria oportunizar um processo reflexivo que desenvolvesse o espírito crítico para
ter iniciativa de selecionar informações e buscar soluções.
Enfatizou-se o enriquecimento da imaginação e da fantasia para facilitar a
interpretação do texto e o transporte do mundo real para o fantástico. Propôs-se a
implantação do Programa de Qualidade Total.
Houve uma mudança de enfoque na formação propiciada aos POSL, isto é,
até então a formação prática (Pérez Gómez, 1998) nunca havia sido utilizada por
nenhuma outra administração. Procurou-se proporcionar ao POSL vários tipos de
contato nessa formação prática, como, encontros com outros POSL mais
experientes, escritores, ilustradores; seminários, oficinas e palestras. Os cursos
procuravam oferecer sugestões de atividades “prontas” para que os POSL
aplicassem em suas respectivas SL. O embasamento teórico estava subjacente às
sugestões de atividades e pouco foi discutido com os POSL.
5
De acordo com o documento: São Paulo (Cidade). PMSP/SME. Projeto Salas de Leitura, 1995.
8
9. Na terceira administração, o Programa de Qualidade Total foi retirado, e
complementou-se que a SL deveria ser um espaço onde se promovia o acesso ao
livro e à informação mediante diversos meios, ou seja, diversos suportes de texto,
com variadas linguagens para, a partir deles e pelo desenvolvimento de atividades
diversificadas, propiciar a expansão do universo de leitura e, conseqüentemente, a
ampliação da visão de mundo de seus freqüentadores.
O trabalho na SL não deveria ser sistematizado porque era no
descompromisso com a sistematização que a sua função se realizaria: a leitura-
prazer. Apesar disso, não bastava colocar o livro nas mãos do leitor; era preciso
intervir, permitindo que o diálogo se estabelecesse não apenas entre o leitor-autor-
texto, mas também entre leitor-leitor e leitor-professor da classe - POSL.
Citava-se Maria Helena Martins para defender que o ato de ler implicava
necessariamente um diálogo com o mundo. O mesmo se aplicava à SL. O trabalho
do POSL não poderia ser solitário, deveria estar integrado ao projeto Pedagógico da
Escola e aliado à sala de aula.
A partir de tais diretrizes pode-se demarcar que a perspectiva romântica de
leitura se manteve enfatizando-se a leitura prazer e a leitura de variadas linguagens.
Demarca-se também que, após o período da ditadura militar, Maria Helena
Martins foi citada para fundamentar o entendimento de leitura em todas as gestões
até aqui consideradas. Somente a gestão de Luiza Erundina trouxe a tona visão
explicitamente política.
Pode-se, também, demarcar a forte ênfase na leitura prazer e na formação
prática do professor que perpassa todo o material, isto é, a cada uma das atividades
propostas exalta-se todo o encantamento que a leitura pode proporcionar e
oferecem-se sugestões de atividades. Dentre as atividades propostas percebe-se
uma preocupação com as diferentes linguagens no sentido de indicar músicas,
contar histórias por meio de origamis, teatro, poesia concreta, jogos, fotos, vídeos.
Chartier (Bourdieu e Chartier, 2001, p. 234) assinala que esse “uso não
controlado da palavra leitura, aplicada a todo um conjunto de materiais que lhe
resistem” não é enunciável se não for através dos próprios textos. Concorda que se
pode decifrar um quadro, um ritual e assim por diante, contudo, o conjunto desses
modos de decifração não referem dispositivos que funcionam na leitura de textos.
Na comemoração do Jubileu de Prata da SL considerou-se que a SL nas
escolas da RMESP significava a existência de um projeto que se consolidou como
um dos pioneiros no trabalho pedagógico de incentivo à leitura.
Finalmente, percebe-se que mesmo após o Projeto SL da RMESP ter se
sedimentado na estrutura organizacional das escolas, ele ainda precisava se
consolidar por meio da legislação, isto é, precisava ser normatizado de forma
definitiva, fazendo-se alguns acertos necessários, e ampliar-se mais para atingir
todas as escolas municipais. Julga-se que esse período assinalou a permanência
definitiva da SL na vida das escolas, consolidando-a enquanto projeto e ampliando-a
para toda a RMESP.
Considerações Finais:
9
10. Basicamente, pretendeu-se demonstrar com este estudo que a leitura por
meio do Projeto SL da RMESP ocupa um lugar de destaque na organização e
constituição do trabalho das escolas. Assim, discutiu-se a leitura nas priorizações da
política educacional do município de São Paulo, tentando pontuar as facetas e
dimensões da escola e a implantação desse espaço/tempo de leitura na rede
municipal.
Observou-se que na SL da RMESP houve sempre uma seleção de conteúdos
dentro da literatura da área. Do mesmo modo, a organização e a estruturação
desses conteúdos foram sendo adaptadas de acordo com os interesses dos
diferentes grupos que compunham a equipe central que orientava as práticas da SL.
Verificou-se, então, que a SL apresentou-se como um campo de luta que
definia como as pessoas e os grupos deveriam ser e atuar. Nesse campo de disputa
de significados, de disputas de escolhas, acontecia a dominância de idéias
favoráveis à leitura e indicativas de que tipo de leitura era a melhor.
Fica evidente que a SL se constituiu como campo de disputa de significados,
como campo contestado, como contexto cultural de significação ativa dos materiais
recebidos. Nesse sentido, a SL constituiu “um terreno de produção e de política
cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação,
recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão”. (Moreira e Silva, 1999, p. 28)
Dessa maneira, a SL e suas atividades se sedimentaram tanto, no interior das
escolas, que passaram a fazer parte delas e a fazer parte de seu cotidiano. A escola
passou a se definir como local que valorizava a leitura. Isso é percebido nas políticas
e nas orientações dadas para que a escola pudesse trabalhar e se organizar.
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